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quinta-feira, 16 de dezembro de 2010

NÃO SE VISITA MAIS

Sou do tempo em que ainda se faziam visitas. 
Lembro-me  de  minha  mãe  mandando  a  gente  caprichar  no  banho  porque  a
família  toda  iria  visitar  algum  conhecido.  Íamos  todos  juntos,  família  grande,
todo mundo a pé. 
Geralmente, à noite.
Ninguém avisava nada, o costume era chegar de paraquedas mesmo. E os
donos  da  casa  recebiam  alegres  a  visita.  Aos  poucos,  os  moradores  iam  se
apresentando, um por um.

 – Olha o compadre aqui, garoto! Cumprimenta a comadre.
E o garoto apertava a mão do meu pai, da minha mãe, a minha mão e a mão
dos meus irmãos. 

Aí chegava outro menino. Repetia-se toda a diplomacia.

 – Mas vamos nos assentar, gente. 
Que surpresa agradável


   A conversa rolava solta na sala. 
Meu pai conversando com o compadre e minha mãe de papo com a comadre.

Eu  e  meus  irmãos  ficávamos  assentados  todos  num  mesmo  sofá,
entreolhando-nos e olhando a casa do tal compadre. 

Retratos  na  parede,  duas  imagens  de  santos  numa  cantoneira,  flores  na
mesinha de centro... casa singela e acolhedora. 
A nossa também era assim.

   Também eram assim as visitas, singelas e acolhedoras. 

Tão acolhedoras que era também costume servir um bom café aos visitantes.
Como um anjo benfazejo, surgia alguém lá da cozinha – geralmente uma das
filhas – e dizia:

   – Gente, vem aqui pra dentro que o café está na mesa.
Tratava-se de uma metonímia gastronômica. 

O  café  era  apenas  uma  parte:  pães,  bolo,  broas,  queijo  fresco, 
manteiga,

biscoitos, leite... tudo sobre a mesa.

   Juntava todo mundo e as piadas pipocavam


As gargalhadas também. 
Pra que televisão?
 Pra que rua? 
Pra que droga? 
A vida estava ali, no riso, no café, na conversa, no abraço, na esperança... 

Era  a  vida  respingando  eternidade  nos  momentos  que  acabam....  era  a  vida
transbordando simplicidade, alegria e amizade...
    Quando  saíamos, os donos da casa ficavam à porta  até que virássemos a
esquina. Ainda nos acenávamos. 

E voltávamos para casa, caminhada muitas vezes longa, sem carro, mas com
o coração aquecido pela ternura e pela acolhida. 

Era  assim  também  lá  em  casa.  Recebíamos  as  visitas  com  o  coração  em
festa.. A mesma alegria se repetia. Quando iam embora, t ambém ficávamos, a
família toda, à porta. Olhávamos, olhávamos... até que sumissem no horizonte
da noite.

   O tempo passou e me formei em solidão. Tive bons professores: televisão,
vídeo, DVD, e-mail... 
Cada  um  na  sua  e  ninguém  na  de  ninguém.  Não  se  recebe  mais  em  casa.
Agora  a  gente  combina  encontros  com  os  amigos  fora  de  casa:
   – Vamos marcar uma saída!.... 
– ninguém quer entrar mais.
    Assim,  as  casas  vão  se  transformando  em  túmulos  sem  epitáfios,  que
escondem mortos anônimos e possibilidades enterradas. 
Cemitério urbano, onde perambulam zumbis e fantasmas mais assustados que
assustadores.
   Casas trancadas.. Pra que abrir? O ladrão pode entrar e roubar a lembrança
do  café,  dos  pães,  do  bolo,  das  broas,  do  queijo  fresco,  da  manteiga,  dos
biscoitos do leite.
   Que saudade do compadre e da comadre!