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terça-feira, 26 de maio de 2009

É desconcertante rever um grande amor

Motivos muitas vezes hoje incompreensíveis puseram fim ao relacionamento. Fantasias povoaram o período de afastamento. Estratégias precederam o grande dia. Mas o reencontro é no mínimo constrangedor. Surpresas, ainda que positivas, encabulam. Mostram que aquela história é coisa do passado.
A vontade de rever um grande amor pode mobilizar uma pessoa a atravessar mares a nado. Mas quando pisa em outro continente a terra é firme?
Em algum momento anterior de sua história amorosa, a pessoa viveu um intenso e inesquecível relacionamento. Por motivos que escapam a qualquer tentativa racional de compreensão, a relação se desfez. Tomaram rumos distintos, conheceram novos amores, enveredaram por trilhas que nunca mais se cruzam. Costuma-se dizer, no entanto, que o ator desocupa o palco, mas o fantasma do personagem tem vida própria e teima em permanecer ativo. A pessoa se relaciona com a imagem daquele grande amor, agora descolada da concretude da figura humana que um dia carregou.
Se o relacionamento não se sustentou, é provável que isso tenha sido devido a um inter-jogo em que cada parceiro atribuiu ao outro conteúdos irreais que nenhum dos dois poderia sustentar. Com a separação, a pessoa real do parceiro não está mais lá para servir de contraste para as fantasias, o que deixa a imaginação ainda mais livre para desenhar o personagem como bem quiser.
Novos relacionamentos amorosos, por mais bem sucedidos que sejam, não dão conta de apagar a existência, ou mesmo a evolução – pois é -, daquela viva imagem.
Alguns anos mais tarde surge o desejo de um reencontro. Para localizar o paradeiro daquele grande amor valem todas as estratégias. As mais simples são a internet, a lista telefônica, a oficina mecânica onde trabalhou o irmão do marido da manicure da vizinha da avó. Dezoito telefonemas, 200 km rodados aqui e ali e pronto: achou. É sempre bom checar qual o atual estado civil. Nunca se sabe.
Marca-se o encontro por telefone ou outro método indireto para diluir o impacto em etapas gradativas de reaproximação. Chega o grande dia: tremor nas pernas, frio na barriga, suor nas mãos, roupa nova, olhos de criança que vai à Disneylândia pela primeira vez, arrependimento, vou-não-vou; “ah, eu vou”. Esse é o quadro interno anterior ao encontro.
Quadro interno no ato do encontro: o chão desaparece; a pessoa concreta não corresponde à imagem para a qual um dia fora inspiradora e, por causa disso, decepciona. Ou contrário: frustra a expectativa exatamente por se apresentar de um modo muito mais positivo do que o esperado. Outra possibilidade: características que um dia foram marcantes hoje estão esmaecidas, o que causa certo desencanto. A pele já não é tão suave, os cabelos estão ralos e já não são tão bem cuidados. Outras marcas se acentuaram: aquela mania de contar a mesma história evoluiu para um obcecado apego a certos temas; aquela ligeira propensão a engordar já não é só uma tendência.
Mas ainda não se descreveu o fator mais constrangedor. No passado, a relação foi de grande contato e intimidade. Hoje, ao se reencontrarem, desaparece a fluência. Não sabem o que fazer com as mãos; as palavras parecem todas bobas e infantis; os sentimentos que um dia experimentaram se reacendem, sem que estejam livres para fluir. Um já não se sente mais a vontade para fazer do outro um desaguadouro para toda energia que subitamente se faz presente. É como se a porta que protegia a antiga intimidade se abrisse e tornasse público aquilo que foi tão particular, cúmplice e privativo, mesmo quando eles são a única platéia a presenciar a cena.
Um velho amor é sempre – sempre – um amor. Tem no mínimo, um significado histórico, uma marcante participação. O que sou hoje inclui a imensa contribuição de todos os meus amores, pois cada pessoa que entrou na minha vida iluminou uma parcela de mim, que talvez sem ela eu jamais tivesse conhecido.
Nenhuma história é igual a outra; nenhum amor será igual o outro. Uma pessoa experimenta o reencontro de um jeito diferente daquele como outra pessoa o percebe. Mas o núcleo da vivência, este sim é igual para todos em qualquer lugar do mundo. “É desconcertante rever um grande amor”, já disseram Chico Buarque e Tom Jobim nos versos de Anos Dourados.
Quadro interno após o encontro: a noção exata de que a relação não tem que se atualizar. Não é o caso; não cabe mais. Faz sentido que permaneça onde está e ocupe o espaço que sempre ocupou, ou seja, o de um momento histórico significativo, querido, especial. A terra é firme, mas o país se tornou relativamente estrangeiro. A “cidadania” adquirida em outras paragens pede para ser preservada.
Há exceções? Talvez, mas elas existirão onde, no passado, houve um erro de leitura e, quem sabe, o indevido abandono de um porto seguro.

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